Para melhor compreender os textos a seguir, é importante que você leia as informações:
Você sabe o que é "GPS"?
Próximo ao Natal de 2004, acompanhado de grande campanha de vendas, foi lançado o telefone celular equipado com rastreadores que fornecem a localização do usuário. São aparelhos dotados de GPS (em inglês, "sistema global de posicionamento"), capazes de enviar sinais e captar os resultados por técnicas de localização. Como o apelo publicitário enfatizava o auxílio da tecnologia na localização dos filhos pelos pais, o lançamento desse produto gerou polêmica entre novos usuários especialistas em relacionamento entre pais e filhos.
Leia agora dois artigos de opinião sobre o assunto. Foram publicados no auge dessa polêmica, dezembro de 2004, no jornal Folha de S. Paulo, no caderno Cotidiano, que, como nome diz, trata dos assuntos do dia a dia da população em geral.
Texto 1
BIG BROTHER / A FAVOR
"Coleira" é necessária para alguns
Içami Tiba
A questão do controle dos pais sobre os filhos sempre é controversa, mas é necessário deixar claro que o responsável pelos limites que os adultos estabelecem para a sua autonomia é o próprio adolescente.
Quem vai dizer se tem de haver um controle ou não é a própria vida que o adolescente leva nesse processo de "segundo parto" _ porque a adolescência é o segundo parto para ganhar a autonomia comportamental.
Teoricamente, esse jovem não precisa depender dos adultos para decidir o que fazer.
Agora, uma vez que ele não se mostre competente para ditar os próprios rumos e, em vez de ir à escola, fica no bar da esquina, o controle é necessário.
Nesse contexto, aparelhos rastreadores capazes de deixar os filhos localizáveis o tempo todo, que chamo de "coleira virtual", são bastante viáveis.
Esses jovens que precisam de controle não tomam as medidas de proteção necessárias a acabam se expondo a todo tipo de perigo. Em vez de manter a família informada, simplesmente desaparecem. Os pais têm de impor limites: se largar o celular em qualquer lugar, então não merece sair.
Nesse ponto, tem de ser um pouco mais radical, porque alguns adolescentes transcendem os limites, e os pais só vão saber na hora de tirá-los, na melhor das hipóteses, da delegacia.
Assim como há jovens que podem ir para a "balada" sem maiores preocupações, existem outros que precisam, sim, dessa "coleira virtual".
Folha de S. Paulo, 12 dez. 2004, p.C3.
Texto 2
BIG BROTHER / CONTRA
Trocamos educação por tecnologia?
Rosely Sayão
Estamos trocando a educação para a liberdade responsável e para a autonomia pelos recursos tecnológicos mais avançados, é isso? O caminho é sedutor porque bem mais simples e com custos bem menores. Os pais, preocupados com a segurança dos filhos __ ah, o que não temos feito em nome desse item! __, acabam consumindo, sem grandes reflexões, as ideias mais absurdas. Como essa, por exemplo, do controle da localização dos filhos pelo celular.
Ora, ora! Quem diria que a geração pós-Segunda Guerra, que lutou pela democracia e pela liberdade, que bradou contra a tutela da família, chegasse a esse ponto com os próprios filhos? "Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais..."
O controle é eficiente para acalmar as aflições dos pais. É eficiente, ainda, para provocar efeitos colaterais dos mais indesejáveis, e outros riscos. Vejamos.
Em primeiro lugar, se tem quem controle o jovem, por que haveria ele de se responsabilizar pelo autocontrole? Mais fácil deixar para os pais essa tarefa difícil já que eles assim o desejam. Em segundo, tem a dificuldade da construção da privacidade. E sem privacidade, não há intimidade. E tem mais, ainda: se os pais não acreditam que o filho seja capaz de avaliar situações de risco, de se proteger, de caminhar com os próprias pernas, por que ele mesmo acreditaria?
Pensando bem, é uma bobagem preocupar-se com isso. Os jovens sempre têm respostas inteligentes para propostas medíocres. Eles encontrarão um jeito de burlar o dispositivo. Não são eles os melhores no uso da tecnologia?
Folha de S. Paulo, 12 dez. 2004, p. C3.